Olhar através da etiqueta. Você
já se perguntou o significado dessa frase? Quando consumimos produtos de moda,
na maioria das vezes, não nos importamos em conhecer o processo envolvido por
trás de sua produção. Ignoramos, nesse caso, o caminho percorrido pela roupa
até chegar ao nosso corpo.
Pense em um jeans. O algodão que
foi utilizado para fazer o tecido do qual é feito seu jeans, precisou ser
cultivado, colhido, passou por processos de tratamento e fiação, passou pela
tecelagem e pelo tingimento, foi utilizado como matéria-prima para a
peça-piloto, foi para uma lavanderia, passou pela mão de várias costureiras,
até ser transportado para a loja onde você o comprou. Só nesse processo,
quantas pessoas e quanto do meio-ambiente foi envolvido?
“Pesquisas mostram que há um
aumento sem precedentes na preocupação do consumidor com quem faz as roupas,
como são tratados, e como o processo afeta o ambiente.” (LEE, 2009).
São essas questões relativas à
sustentabilidade no meio da moda, que a Tecidoteca passa a estudar a partir de
hoje. Sustentabilidade no sentido de trabalhar a moda abrangendo questões
sociais, ambientais e econômicas, até porque é de conhecimento que “a forma como consumimos decide o
futuro do planeta” (HAMNETT, Katharine).
Em se tratando de fibras, é comum
pensarmos que as naturais, inclusive por serem providas por, ou cultivadas no
meio-ambiente, tem menos impacto negativo sobre o ambiente de onde vem, quem a
produz e quem a consome. Contudo, estamos enganados. O algodão, por exemplo,
esconde muitas curiosidades por trás do seu processo de produção.
“O algodão não é a fibra que
acreditamos ser, mas constitui, na verdade, uma das safras mais letais e sujas
do mundo.” (LEE, 2009).
O algodão e os pesticidas
Segundo Matilda Lee, no livro Eco
Chic, o guia de moda ética para consumidora consciente, o cultivo do algodão
envolve cerca de 100 milhões de lares em todo o mundo, a maioria pobres e donos
de pequenas plantações. Dentre esses, 95-98%, já no ano de 1991, utilizavam-se
de pesticidas tóxicos para o cultivo da fibra.
Essas substâncias são
responsáveis pelo envenenamento e a causa da morte de milhões de agricultores,
principalmente nas plantações da África e outros países em desenvolvimento. De
acordo com a Organização Mundial da Saúde, anualmente ocorrem 3 milhões de
envenenamento por pesticidas, dos quais 20 mil resultam em óbito, e, segundo a
Organização Mundial do trabalho os números são ainda mais alarmantes, sendo de
5 milhões de envenenamentos para 40 mil mortes.
O endosulfan, segundo inseticida
para algodão mais usado no mundo, é o responsável por muitos desses casos, e,
por representar 50% do valor da produção total do algodão, na maioria das vezes
é guardado em casa, por ser o bem mais valioso dos trabalhadores, o que já
representa um grande perigo de armazenamento. Além disso, as altas temperaturas
nos locais de cultivo da planta – cerca de 40° em algumas regiões, faz com que
os trabalhadores dispensem o uso dos trajes de proteção, tornando-se mais
suscetíveis ao envenenamento.
“O algodão representa 16% da
liberação de inseticidas do mundo – mais do qualquer outra colheita, e 10% de
todos os pesticidas. Quase um quilo de pesticida perigoso é aplicado em cada
hectare de algodão.” (LEE, 2009).
O fato de que esses pesticidas
alimentam uma indústria milionária, que fatura 2 bilhões de dólares por ano com
os químicos para o algodão - os quais 60% são produzidos por apenas sete
empresas a nível mundial -, contribui para que essa situação se perpetue e
tornou-se cada vez mais abrangente.
O algodão e o consumo de água
A água é um recurso natural
essencial para a produção das fibras têxteis, e na cotonicultura – produção do
algodão –, por exemplo, é consumida em níveis altíssimos. O processo acaba
contaminando-a com fertilizantes e pesticidas, tornando imprópria para outras
finalidades.
Esse volume tão grande de água,
que no fim é desperdiçado, acaba contribuindo para que a água se torne cada vez
mais escassa, aumentando as chances de uma crise hídrica, que segundo a Unesco
e o Fórum Econômico Mundial, terá efeitos globais mais amplos do que a crise
econômica que a afeta a economia mundial.
“São necessários 379 litros de
água para que uma blusa feminina de algodão e Tencel chegue à loja” (FLETCHER;GROSE,
2011).
Quantidade de litros de água utilizados por kg de fibras produzidos, do livro Moda & sustentabilidade. |
Os geneticamente modificados : a
fé na tecnologia
Atualmente, o algodão
geneticamente modificado, conhecido como GM, representa quase metade de todo o
algodão produzido no mundo. A mudança genética no algodão foi feita com o
intuito de incluir uma toxina venenosa contra as pragas, para que diminuísse a
utilização de pesticidas e agrotóxicos e, consequentemente, as plantações
passassem a agredir menos o meio ambiente e a vida humana, e também para que representasse uma
diminuição de custos para o agricultor. Além disso, segundo o livro Moda &
Sustentabilidade, um design para a mudança, o GM manteria um nível de produção
e a qualidade das fibras.
O sonho do geneticamente
modificado, entretanto, não condiz com a realidade. Segundo o Faitrade Foundation
os agricultores indianos que plantaram GM, relataram não um aumento, mas sim
uma diminuição da produção, em comparação com as variedades tradicionais e,
alegaram não haver evidências de redução dos herbicidas. Isso, aliado ao fator
custo – que é até 10X maior por semente do que o algodão comum –, e a relatos
associando o GM a ovelhas mortas e trabalhadores doentes, não parece ser
solução para os problemas dos agricultores.
O algodão orgânico : a fé na
natureza
O algodão orgânico é produzido em
cerca de 100 mil fazendas, sendo a maioria na Índia e na África. Entretanto,
esse mercado só representa 0,019% das 25,5 milhões de toneladas de algodão
produzidos mundialmente. No ano de 2006 a demanda mundial do algodão orgânico superou a oferta
pela primeira vez, e o mercado na Inglaterra, por exemplo, está crescendo 50%
ao ano. É nesse produto/processo no qual são depositadas as esperanças para uma mudança positivamente sustentável.
Benefícios dos orgânicos
Benefícios dos orgânicos
- A maioria do projetos que
envolvem essa produção são feitos para combater a pobreza com metas sociais e
econômicas, como partes integrantes de suas atividades.
- Vemos, através de comprovações
feitas pelo Organic Exchange, que esse algodão aumenta a renda e melhora a
saúde dos agricultores: experiências demonstrando maior rentabilidade ou pelo
menos no mesmo nível de renda do algodão convencional, e diminuição nos custos
de saúde, devido à exposição aos pesticidas.
- Outro fator que influencia
positivamente para o aumento dessa produção são as melhores colheitas a longo
prazo, tendo num período de 5 a 7 anos, desempenho muito melhor do que o
convencional, já que a saúde do solo foi restaurada.
- Os agricultores e a
comunidade ganham mais voz, podendo ter melhores chances de escolher os
compradores, além de receberam bonificações pelo seu cultivo.
- Em relação aos benefícios à
natureza, há melhorias no solo e no meio-ambiente, protegendo a vida silvestre
local e a saúde do solo, além de a água utilizada no processo de plantio e
produção do algodão orgânico, voltar limpa para a natureza.
Apesar do crescimento da produção
do algodão orgânico, certas questões precisam ser trabalhados a título de
promover melhorias no mercado. São essas: o planejamento; as finanças; as redes
de apoio, treinamento e pesquisa; e a certificação dos agricultores e das
empresas.
No mercado mundial temos um
grande exemplo de empresa com responsabilidade social e ambiental, como revelado
em Moda & sustentabilidade: a rede varejista C&A estabeleceu parceria
com a Textile Exchange e a Fundação Shell, à fim de fundar uma nova entidade
chamada de Cotton Connect, que tem como
intuito transformar as cadeias que fornecem o algodão, levantando questões
sustentáveis em todas as etapas de plantio e produção.
Do algodão produzido
mundialmente, 60% é usado para fazer roupas, e todo o impacto social e
ambiental que essa fibra causa está atrelada a nossa forma de consumir a moda.
De nada adiantam boas iniciativas por parte dos produtores e transformadores da
matéria-prima se o mercado não passar a dar atenção e preferência a essas
práticas mais limpas.
Convidamos vocês a fazerem uma reflexão por trás do seu simples jeans e camiseta, e começar realmente a enxergar através da etiqueta: você gosta do que vê?
Convidamos vocês a fazerem uma reflexão por trás do seu simples jeans e camiseta, e começar realmente a enxergar através da etiqueta: você gosta do que vê?
Informe-se mais sobre
sustentabilidade nos livros:
LEE, Matilda. ECO CHIC: o guia de
moda para a consumidora consciente. São Paulo: Larousse do Brasil, 2009)
FLETCHER, Kate; GROSE, LYNDA.
Moda & sustentabilidade: design para a mudança. São Paulo: Editora Senac
São Paulo, 2011.
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