Não é de hoje que a moda é utilizada como forma de mostrar, cultuar e criticar a sociedade na qual está inserida. O estilista Alexandre Herchcovitch não está a margem dessa afirmação, e, em seu desfile de Inverno 2016 da SPFW, utilizou a passarela para reafirmar sua posição de obsessão pelo corpo e, como disse Lillian Pacce em sua coluna, "reforçar a máxima de que em meio a crise o sexy vire moda, porque sexo vende."
O desfile de Herchcovitch já começou a ousar pelo convite: um incentivo à utilização do transporte coletivo. Um bilhete único foi enviado aos convidados, carregado com R$ 7,00 em créditos para que fossem (e voltassem) de metrô ou ônibus para o saguão da sede da Prefeitura de São Paulo, local no qual foi realizado o desfile.
A iniciativa do estilista não foi bem aceita por muitos dos presentes, que não sentiram-se à vontade para tal. Por outro lado, admiração quanto à atitude do prefeito Fernando Haddad e esposa, que, para receberem o desfile em sua "casa", honraram o convite e chegaram ao local de ônibus. Outra personalidade que aderiu ao convite foi o também estilista Ronaldo Fraga, que, de metrô, afirmou que "se não vivermos os espaços públicos e serviços públicos, não viveremos o Brasil real e não cobraremos melhorias".
Outra surpresa foi quanto ao desfile realizar-se na prefeitura. De acordo com o prefeito Haddad, a escolha do local foi uma forma de celebração da relação de Herchcovitch e a cidade. Em entrevista à FFW respondeu: “para você alimentar 22 milhões de pessoas, ou você está na vanguarda ou você não sustenta a demanda da economia. Ou São Paulo fomenta sua indústria criativa ou não tem como sustentar-se como megalópole global. Essa é a mágica: fomentar os pioneiros e vanguardistas das indústrias. A moda faz São Paulo. O Alexandre faz São Paulo”.
Na passarela, o fetiche tomou conta: amor, perda, perversão, sexo e poder foram as palavras de ordem, em uma coleção construída com muitos elementos marcantes de sua carreira - como o seu marcante xadrez e o zíper com ilhós e amarração. Peças com formas fluidas, lingeries e alfaiataria foram construídas em tricoline de cashmere, tafetá de seda, jacquard, tule elástico, lã alpaca (...) e fitas de gorgurão, que, costuradas fazendo caminhos tortuosos, apenas por duas costureiras que possuíam as habilidades necessárias para o trabalho, fizeram metáfora aos caminhos sombrios das paixões e evidenciaram a impecável técnica exigida por Herchcovitch.
Os seios vieram acompanhados por argolas, os quais, à mostra, contrapunham-se ao tecido que encobria o resto do corpo. Mais uma vez presente em seus desfiles, a dualidade entre o agressivo e leve, sexo e austero, perigo e inocência.
A beleza de três modelos sobressaiu-se com máscaras que pareciam balaclavas, deixando partes específicas do rosto à mostra. As partes que estavam expostas receberam uma maquiagem especial de Robert Estevão, dando à elas ainda mais destaque, como se vistas através de uma lupa, nessa duplicidade de ao esconder, tonar ainda mais revelador. O cabelo de Celso Kamura, deu as modelos cara de quem acabou de acordar de uma "noite movimentada", completando, com o delineador felino, o cenário sexual proposto pelo estilista.
Essa pitada de perversão na semana de moda paulista pode ser a última do estilista à frente da sua marca, já que, de acordo com a revista Elle, o contrato com o grupo Inbrands, dono de sua marca e de outras como Ellus, Salinas, Bobstore e Tommy, ainda não foi renovado.
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